A Bola {A exposição}
RESENHAS
O FUTEBOL DE VIDRINHO
Nasci em uma época que as crianças construíam os seus próprios brinquedos ou comprava-os na feira .
Cavalo de pau, carrinho de lata, pião e boi de barro fazia a festa da meninada.
Meu pai era o farmacêutico da cidade e naquela época pegava tubos grandes de Mercúrio cromo e Mertiolate, diluía em pequenos frascos de Benzetacil e Penicilina para que as pessoas mais pobres pudessem comprar e levar para casa.
Eu passava o dia na farmácia, no pé do birô de meu pai desenhando enquanto ele enchia os vidrinhos .
Um certo dia ele me viu arrancar com agilidade o lacre de alumínio que envolvia a borrachinha de um vidrinho com os dentes e ficou admirado como eu fazia o trabalho com mais rapidez que ele com um alicate. Bem...a partir daquele momento eu ganhei uma utilidade em seu consultório e fui promovido a auxiliar de farmacêutico na linha de produção.
Para compensar o meu trabalho, meu pai vendo que gostava de futebol, criou um brinquedo com os próprios vidrinhos que trabalhava e denominou de Futebol de Vidrinho .
Escolhíamos dez vidrinhos de Penicilina e Benzetacil para serem os jogadores de linha e um vidrinho mais gordinho para ser o goleiro. Depois pegávamos papel, lápis de cor, tesoura e cola e pintávamos os uniformes dos times de futebol e colávamos nos vidrinhos, desenhando os emblemas na frente e os números nas costas .
Riscávamos o campo de futebol no chão com um giz, fazíamos as traves de madeira e a bolinha retirávamos dos dosadores de litros de cachaça 51.
As regras meu pai as criou e jogávamos chutando a bolinha, deslizando o dedo indicador sob o polegar. O jogo começava como todo jogo de futebol, partindo do centro e depois ao correr da bolinha ia se estendendo para as laterais, escanteio e na maioria das vezes do tiro de meta.
O jogador que estava de posse da bola anunciava em voz alta: “Preparado?” E o jogador adversário respondia “Pode chutar!” Dando permissão ao chute.
O tempo era marcado com um cuspe bem espumado sob um caco de telha exposto ao sol... Quando secava, a partida se encerrava. assim todo menino tinha seu timinho formado e os campeonatos foram passando para os quintais em campinhos de areia, pois as bolinhas não corriam com tanta velocidade e ainda podíamos efetuar chutes pegando por baixo da bolinha cobrindo a barreira e o goleiro.
Depois apareceram aqueles meninos que tiveram a ideia de pegar caixinhas de papelão e desenhar os ônibus para transportar os seus timinhos de vidrinhos. Lembro de uma vez ter sido campeão e noutra vice campeão do campeonato de vidrinho da cidade, aquilo dava uma certa moral diante dos outros meninos: CAMPEÃO DE FUTEBOL DE VIDRINHO DE 1977.
O GALO E A RAPOSA
Meu pai foi um daqueles retirantes nordestinos, que migrou do Cariri nos “Ultimos Pau de arara” .
Passamos uma semana na estrada, eu ele e meu irmão mais velho, na boleia de um caminhão de cor verde abacate, atravessando o Piauí e o Maranhão, em um inverno torrencial, numa rodagem de chão batido, penetrando Brasil a dentro até aonde os rios Tocantins e Araguaia fazem um cotovelo de três estados: Maranhão, Pará e Goiás, denominando a região de... “Bico do Papagaio” !
Chegamos no Sertão Goiano, quando as últimas boiadas, aos sons de estrondosos berrantes, faziam suas derradeiras travessias e a Guerrilha do Araguaia fazia tombar seus últimos combatentes, transformando-os em lendas, nas rodas de contação de histórias da criançada, á beira das fogueiras, sob um céu estrelado.
Minha Heroína era a Dina, uma guerrilheira !
Contavam que ela tinha sido treinada em Cuba e que morava no interior de uma serra, que até campo de baixar avião, tinha dentro.
A Dina rolava no chão com duas metralhadoras nas mãos e os soldados morriam de medo de encontrar com ela dentro da floresta.
Sim, mas o que é que isso tem haver com O Galo e a Raposa?
Foi justamente nessa época, que chegou em nossa pequena cidade uma missão do IBGE para fazer cartografia nos rios da região. A missão era formado por mineiros , que vieram do estado das Minas Gerais e contava meu pai, que um dia, sem querer, viu cair do bolso de um deles uma carteira de coronel do exercito .
Por gostarmos de jogar futebol, logo fizemos amizade com eles e um deles adotou meu irmão como afilhado o influenciado a torcer o Cruzeiro Futebol Clube , apelidado por Raposa e como tínhamos que torcer times diferentes, me restou o Clube Atlético Mineiro, apelidado por Galo .
Um dia eles anoiteceram e não amanheceram, deixando saudade. Nunca mais soubemos notícia e a única coisa que guardei foi que eles vieram de um lugar chamado Belo Horizonte e que lá era aonde moravam O GALO E A RAPOSA.
NOSSO MARACANÃ
Quando se é menino e gosta de jogar bola, a preocupação é encontrar um terreno baldio que dê um bom campinho e um proprietário que deixe usá-lo. Eu e meus amigos gastamos metade de nossa infância andando nos quatro cantos da cidade à procura do Nosso Maracanã e a outra metade, suados correndo atrás de uma bola, imitando os ídolos de nossa época.
Cada campinho era batizado de acordo suas características: Campinho do pé de Pequi – Tinha um pé de Pequi
bem no meio, aonde o goleiro de um lado não via o goleiro do outro lado e tinha que prever a possibilidade do desvio da bola em uma galha da árvore, para não ser surpreendido com um “Bola num canto goleiro no outro”.
Campinho da Igreja – Ficava ao lado da igreja, em frente a um hotel que os caixeiros viajante se hospedavam. No fim da tarde,
ficavam sentados na calçada esperando a hora do jantar e nós pensávamos que eles fossem olheiros dos grandes clubes de futebol á procura de novos talentos. Ao fim de cada jogo, pelo esforço de ser notado saíamos todo “relado”.
Além de que, em dias de missas, o padre não deixava ter jogo, devido os palavrões que a molecada dizia.
Campinho da Valeta – Ficava em uma valeta ao lado da rodovia, entre um barranco e um barreiro, quando no inverno jogávamos nus, e o time que fizesse um gol tinha o direito de mergulhar nas águas do barreiro. Quando a bola passava por cima do barranco corria pra rodovia, sujeitando um carro passar por cima.
Campinhos de areia ou com capim estavam entre os mais procurados pela meninada, pois eram bons pra goleiro pular e jogador dar carrinho. Foram muitos os campinhos e muitas as jogadas. Hoje, em todos eles, foram construídas casas ou praças em cima, mas em nossa memória eles continuam sendo o NOSSO MARACANÃ.
SR. LUIZ TORNEIRO E DONA IRACEMA
Era um final de tarde de Domingo e os papagaios num barulho infernal já estavam se recolhendo pra dormir sob a folhagem dos pés de Munguba, quando Deuzinho, filho do vizinho, corre de lá pra cá e de cá pra lá rumo ao bar da esquina com uma sacola cheia de cerveja.
Logo se espalha a noticia na vizinhança que Sr. Luiz Torneiro faltava só o resultado do ultimo jogo pra ganhar na loteria Esportiva dos treze pontos.
Todos começaram a correr em direção ao radio da sala aonde Sr. Luiz Torneiro não descola o ouvido empolgado com a grande fortuna que viria a receber, distribuindo Brahma shopp pra quem chegasse.
42 minutos do segundo tempo, Fla x Flu zero a zero, o resultado já estava garantido, pois Sr. Luiz Torneiro tinha jogado na coluna do meio...
Urra !!!
Até Coca Cola e Fanta os meninos já tinham autorização de trazer na sacola para beber.
Era o acontecimento do ano, pois a cidade inteira sabia e acompanhava a dedicação, quase um vício...Ou melhor, o vício de Sr. Luiz Torneiro semanalmente no caminho da lotérica do Zequinha pra fazer suas apostas.
Podia faltar comida em casa, mas o dinheiro do jogo, esse não podia faltar.... Coisa que irritava bastante Dona Iracema, esposa de Sr. Luiz Torneiro, que tinha calculado na cabeça quanto em dinheiro Sr. Luiz Torneiro já tinha jogado fora com aquela tal de loteria esportiva dos 13 pontos, desde que se casara com ele. E que já vira faltar até leite pros meninos, mas dinheiro pro diabo do jogo da loteria esportiva dos 13 pontos, esse jamais poderia faltar.
...Voltando á sala de visita da casa de Sr. Luiz Torneiro e Dona Iracema:
O locutor da Radio Globo já começava a anunciar o resultado do público pagante e a renda naquele dia no estádio maracanã... A coisa estava tão animada, que nós meninos, sentados no chão, já víamos até a poeira do campo sair pelos buracos do fone do radio SEMP de Sr. Luiz Torneiro, que vez por outra fugia e voltava o sinal.
Mario Viana já dava as considerações finais do resultado do clássico, mas uma coisa chamava atenção na sala: Todos estavam comemorando com alegria o novo milionário da cidade, menos Dona Iracema, que agarrada em um terço rezava sem parar com uma cara de preocupação que beirava o choro.
Quando de repente sem mais nem ver, numa brecha que o sinal do radio sumiu e voltou, Jorge Cury grita: Atirou é gol... GOOOOOOOOOL DO FLAMENGO!!!!!!
E Mario Viana completou: GOOL LEEGAL!!!
Lascou...
Nesse momento, Dona Iracema que estava triste se pôs de Joelho e começou a gritar com as mãos pra cima: GOOOOOOOOOOOOOL.
Todos presentes ficaram espantados com aquela cena, Sr. Luiz Torneiro principalmente, que além de ver seus planos milionários ir de água abaixo ainda lhe veio á cabeça a conta no bar da esquina... E perguntou assustado:
O QUÊ É ISSO IRACEMA????
E ela respondeu:
Luiz, num sabe aquele dinheiro que tu me deu, antes de viajar na Quarta-Feira, pra eu fazer o jogo dos 13 pontos lá na lotérica do Zequinha?
SIM
Pois eu gastei o dinheiro com Cheiro Verde pra fazer o almoço ...